segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Do que é a vida vivida

Tudo o que é lindo, livre, louco. Do que é secreto, escandaloso, indiscreto. Do que me descabela, me entrega e me esconde. Dos olhos nos olhos, dos olhos no corpo, dos olhos nos corpos. Dois, três, quatro. Ímpar, par, todos ganham. Eu gosto do acréscimo. Aquele milésimo de segundo que separa o quase da entrega; do inteiro. Eu gosto do jogado e do certinho. Dos cheiros. Do que ama, do que apaixona, do que seduz. Da vida que se vê na cara. Da incerteza oblíqua. Das ambiguidades propositadas e da assertividade certeira. Do peito rasgado, dos braços abertos, do caminho tortuoso. Eu gosto do sim, sempre sim. Eu gosto do que não tem fim.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

As pálpebras pesadas, o corpo amolecido por um dia extenuante de palavras jogadas na fúria do momento. A respiração tão lenta que já prevê o sono que virá. Por fora, só os dedos se movem. Às vezes também a boca que se abre num bocejo preguiçoso e pensativo. Oxigenação de pensamentos. Uma coceirinha ao lado do olho e penso em você. Como se eu já não estivesse pensando antes. E antes disso ainda. E o dia todo. Um pensar pesado e melancólico. Triste e desesperado. Como eu queria que não fosse assim! Passo a mão pela nuca, num ato involuntário de quem tenta se manter acordado: "E queria que fosse como, então?". Leve. A palavra me vem pronta. Gostaria de sentir-me leve... Tão leve que qualquer respiração mais profunda fosse capaz de me levar para longe. Para perto. De você.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Epitáfio

Quando a vida começa a mostrar que você não tem mais doze anos e que, uma hora ou outra, você precisa encarar o "mundo adulto", dá um frio na barriga, misturado com uma dor de cabeça e vontade de recuar. Imagine-se na beirada de uma rocha, localizada a quinze metros acima de uma pequena piscina natural, onde você nadou e se divertiu por horas a fio. Você olha para baixo e quer pular. Quer e não quer. "E se eu bater a cabeça?", "E se eu pular errado?", "E se meu pé bater muito forte no fundo?". E se, e se, e se... E se você só pular? Simples assim! Pular e esperar para ver no que é que dá. Mas até se decidir você recua. Olha para baixo, analisa a distância. "Talvez se eu ficar olhando para o lugar certo onde devo cair não aconteça nada...". Olha para baixo, enxerga a cara das pessoas que foram com você até a piscina natural e todas parecem dizer para que você pule de uma vez. Mas nem as expressões mandonas te convencem e você espera. Começa a chacoalhar o corpo, olha para cima, respira fundo e diz: "É agora!", mas não é. Resolve contar até três e se convence de que no segundo em que seria pronunciado o quatro, você irá pular. "Um, dois, trêêês..." e nada. Você se volta às pessoas que estavam te observando e a maioria já se distraiu com outras coisas. Um ou outro o observa vez em quando, só para se certificar não de que você já pulou, mas de que ainda está ali, parado. Aquela sensação de estar livre dos olhares mandões o acalma e você pensa que tem todo tempo do mundo para resolver se vai pular ou não. Mas numa daquelas olhadas para o céu, você percebe que o dia já está anunciando sua ida e que se você não pular logo, as pessoas começarão a ir embora e você não pode ficar sozinho ali. "Eu posso simplesmente não pular...", é o pensamento da vez. Mas se você não pular, não terá aquela chance novamente. Terá outras, mas não aquela. Sendo assim, a decisão se transforma de "pular ou não" para "agarrar a oportunidade ou não". E aquela é sim uma oportunidade única. Não se sabe se algum dia você voltará a estar naquele lugar, com aquelas pessoas, nas condições presentes de saúde e coragem. E então você chacoalha mais um pouco as pernas, olha para cima, passa as mãos pelo rosto tentando limpar o medo, respira fundo e, após uma breve e última olhada para aquele ponto específico onde você deve cair, se permite pular. E, ainda no ar, você tem a opção de manter o corpo ereto ou se debater, mas se mantém firme e cai. Alguns centímetros à direita de onde era o tal ponto. Você engoliu o equivalente a cem miligramas de água, sendo que setenta por cento disso foi pelo nariz. Not that much. Seu pé esquerdo bateu numa rocha nodosa e por pouco não sofreu um corte superficial. Seu cotovelo esquerdo ralou numa pedra, formando uma vermelhidão na região. E você só se dá conta disso tudo depois de nadar ao encontro do ar, colocando a cabeça para fora d'água, com o cabelo meio emaranhado e um sorriso torto estampado na cara. Você pulou! Olha para as pessoas e não são todas as que estão com a atenção voltada a você. Três ou quatro sorriem pelo seu pulo, uma o olha com orgulho e o restante preocupa-se com outras coisas. Ora, meu caro, você não podia esperar muito... A única coisa que fez foi saltar de uma rocha. Todo mundo salta um dia na vida. Seja do sofá ao chão, do trampolim à piscina, numa cama elástica... Saltar faz parte da vida da grande maioria da humanidade. E você, tomando consciência disso tudo percebe que, no final das contas, é muito mais difícil pular do que cair na água. E não que estar imerso seja fácil. Você engoliu água, sim. Bateu com o corpo no fundo, sim. Mas sobreviveu. E, mais do que isso, você viveu. E perceber que não se tem mais doze anos de idade e encarar as oportunidades da vida adulta é mais ou menos assim. Dá medo de aceitar um emprego e não ser aquilo que se esperava. Dá preguiça ter que abrir mão dos três meses de férias e se contentar com apenas um. Dá um monte de coisa. Mas, mais do que isso, dá a vivência. E sendo cada vivência algo único e insubstituível, é bom que você pule. Não que pular seja o mais certo a ser feito - outras oportunidades surgirão -, porém, se o salto é razoavelmente certeiro e o momento propício, por que não se deixar mergulhar?